sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Multipicação e divisão já nos anos iniciais

      "A partir de quando é possível abordar a multiplicação e a divisão na escola? Pois elas já podem aparecer nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Problemas envolvendo ambas as situações devem ser explorados em um trabalho continuado que percorra toda a escolaridade. Outra visão que se modificou nos últimos anos diz respeito à segregação do multip licar e do dividir. Por que tratá-los como etapas diferentes se a ligação entre eles é tão estreita?
       A ideia defendida por especialistas de renome é buscar cada vez mais evidenciar as relações existentes entre as operações, mesmo antes da sistematização de seus algoritmos.
         Desenvolver a compreensão dos conceitos por trás das operações e dar condições às turmas para que joguem com as estruturas multiplicativas amplia a visão sobre a Matemática. Resultado? O aluno avança de forma autônoma na resolução dos problemas e o que parecia indecifrável começa a fazer sentido.

A classificação da multiplicação e da divisão
Assim como no campo aditivo, os problemas do campo multiplicativo foram divididos em categorias pelo psicólogo francês Gérard Vergnaud. Com essa organização, é possível trabalhar os conceitos de multiplicação e divisão já nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
EXEMPLOOBSERVAÇÃOVARIAÇÕES
Proporcionalidade
Na festa de aniversário de Carolina, cada criança levou 2 refrigerantes. Ao todo, 8 crianças compareceram à festa. Quantos refrigerantes havia? • Oito crianças levaram 16refrigerantes ao aniversário de Carolina. Se todas as crianças levaram a mesma quantidade de bebida, quantas garrafas levou cada uma?
• Numa festa foram levados 16refrigerantes pelas crianças e cada uma delas levou 2 garrafas. Quantas crianças havia?
• Quatro crianças levaram 8refrigerantes à festa. Supondo que todas levaram o mesmo número de garrafas, quantos refrigerantes haveria se 8 crianças fossem à festa?
Marta tem 4 selos. João tem 3vezes mais do que ela. Quantos selos tem João? • João tem 12 selos e Marta tem a terça parte da quantidade do amigo. Quantos selos tem Marta?
Organização Retangular
Um salão tem 5 fileiras com 4cadeiras em cada uma. Quantas cadeiras há nesse salão?
 • Um salão tem 20 cadeiras, com 4 delas em cada fileira. Quantas fileiras há no total?
• Um salão tem 20 cadeiras distribuídas em colunas e fileiras. Como elas podem ser organizadas?
Combinatória
Uma menina tem 2 saias e 3blusas de cores diferentes. De quantas maneiras ela pode se arrumar combinando as saias e as blusas? • Uma menina pode combinar suas saias e blusas de 6 maneiras diferentes. Sabendo que ela tem apenas 2 saias, quantas blusas ela tem?
• Uma menina pode combinar suas saias e blusas de 6 maneiras diferentes. Sabendo que ela tem apenas 3 blusas, quantas saias ela tem?
Consultoria Célia Maria Ccarolino Pires, coordenadora da Pós-graduação em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Priscila Mmonteiro, formadora do programa Matemática É D+
Ilustrações: Carlo Giovani


      A possibilidade de mudança no ensino se baseia principalmente na Teoria dos Campos Conceituais, do psicólogo francês Gérard Vergnaud, que teve suas primeiras inserções no Brasil no fim dos anos 1980. O pesquisador diferencia o campo aditivo do campo multiplicativo, identificando as particularidades de cada uma das áreas, mas também ressaltando o que elas têm em comum: as operações não são estanques - não se pode descolar a adição da subtração, assim como não se separa a multiplicação da divisão, e não há somente um caminho para solucionar os problemas matemáticos. 


      Com tantas negativas em seus pontos-chave, a teoria de Vergnaud se coloca em contraposição ao ensino convencional. "Trabalhar com campos conceituais é romper o contrato didático estabelecido tradicionalmente", explica Lilian Ceile Marciano, orientadora pedagógica e formadora de professores da Escola da Vila, em São Paulo. "Primeiro você apresenta a situação-problema. Só depois de ela ser elaborada pelos alunos, é possível começar a discussão sobre as possíveis estratégias para resolvê-la." O aluno pode não ter familiaridade com o algoritmo nem perceber que a adição repetida faz parte do caminho para a multiplicação, mas vai se apropriando da operação com as ferramentas que já possui. 



Diferentes enunciados criam variados olhares



        A divisão traz, desde o início, um fator de complexidade quando comparada às operações do campo aditivo: ela trabalha com quatro termos - dividendo, divisor, quociente e resto -, em vez de apenas os três da adição e da subtração (confira outras características no quadro abaixo). A diversidade de tipos de problema exige o domínio das diversas relações matemáticas para ser resolvida.

Divisibilidade sem decoreba
Todo número par é divisível por 2. Um número é divisível por 3 se a soma dos algarismos que o compõem for divisível por 3. Regras como essas talvez pareçam práticas no trabalho com a divisibilidade, mas o seu uso pode incorrer na mesma questão dos algoritmos: ele perde o sentido se não for revestido de significação para a garotada. Ao decorar a "fórmula mágica", que verifica se um número é divisível por outro sem fazer a conta armada, é possível ofuscar a maior riqueza desse tipo de atividade: que a criança perceba as regularidades da divisão. "Em problemas de máximo divisor comum (MDC), por exemplo, os alunos costumam começar simplesmente testando o maior número", diz Priscila Monteiro, formadora do programa Matemática É D+, da Fundação Victor Civita (FVC). "Essa estratégia é positiva e deve ser validada pelo professor." Ela destaca que o interessante do trabalho com atividades que envolvem divisibilidade é o potencial de discutir estratégias e, em conjunto, elaborar hipóteses de generalização de fenômenos - o que mais tarde as turmas verificarão serem propriedades da divisão.
          Assim, pode-se ter várias modalidades de enunciados que se baseiam nos mesmos elementos, como no exemplo: "Dezessete balas são divididas entre crianças. Quantas balas ganha cada uma se os doces forem distribuídos igualmente?" De formas variadas, os pequenos devem chegar ao resultado: 3 balas para cada uma e sobram 2. A questão pode ser alterada sem modificar os termos: e se as balas forem distribuídas uma a uma até acabarem? Nesse caso, formam-se dois grupos com quantidades diferentes, e o aluno verificará - por contagem, subtração repetida ou multiplicando números por 5 até chegar ao mais próximo de 17 (3 x 5), entre outras estratégias - que cada criança recebe 3 balas e 2 ficam com 1 bala a mais. 
          Há também como alterar o local da incógnita na operação, usando sempre os mesmos termos: 17 balas foram distribuídas igualmente entre um número de crianças, cada uma ficou com 3 e sobraram 2. Quantas crianças havia? Nesse caso, a relação de inverso entre multiplicação e divisão é o destaque. Quanto mais tipos de problema as turmas conhecerem, mais elas ampliarão a compreensão das operações e aumentarão o repertório de estratégias para elucidar os desafios. 
          Percebe-se também que relações referentes ao campo aditivo, como a composição e a decomposição de números, servem como uma base para progredir no campo multiplicativo, assim como a compreensão do valor posicional e real dos algarismos. 



Saber armar conta sem saber o porquê não faz sentido



        A ideia de que dispomos de um aglomerado de saberes - espécie de rede maleável e aberta que se reorganiza a cada novo conhecimento adquirido, criando novas relações -, trabalhada por seguidores de Vergnaud, remete à visão de que não há sentido em separar o aprendizado das operações, mas aproveitar as relações estabelecidas para avançar no estudo da Matemática (leia mais no quadro abaixo).

Mudança de verdade
Romper com a educação matemática tradicional é uma atitude válida desde que a mudança seja construída com consistência pelo educador e embasada por conhecimentos concretos. "O que mais ouço em formações de professores são discursos estereotipados e vazios, como o clichê de desenvolver o raciocínio lógico e de estimular que as crianças ‘vivenciem’ os problemas", conta Silvia Swain Canoas, docente da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e especialista em campo multiplicativo. "Quando pergunto que tipo de prática propicia esses objetivos, eles repetem o velho esquema linear de trabalho com as operações." Para ela, uma das maiores dificuldades dos professores é o fato de não compreenderem realmente o que se busca com o uso do campo multiplicativo. É preciso ter clareza de que trabalhar nessa linha é oferecer oportunidades de estabelecer mais relações matemáticas com as mesmas operações que são trabalhadas no ensino tradicional. Primeiro, o professor deve saber quais delas podem ser trabalhadas nas séries iniciais - a proporcionalidade (direta e inversa), a organização espacial e a combinatória. Quanto mais amplo for o conhecimento do professor sobre esses conceitos, maior facilidade ele terá para reconhecer os tipos de problema. Assim, a tendência é que a diversidade de questões e de resoluções cresça, assim como a rede de saberes do próprio aluno.
         O campo aditivo e o multiplicativo podem ser ensinados paralelamente e de maneira não linear. As relações entre adição e multiplicação e entre subtração e divisão devem ser explicitadas, como explica Esther: "O ensino da disciplina nas séries iniciais caminha em três pistas: desenvolver as estruturas numéricas, aditivas e multiplicativas". Uma vez ativa em todas essas áreas, por mais que não as domine de imediato, a criança vai gradualmente tecendo as relações entre os conceitos das operações, e o posterior aprendizado do algoritmo ganhará significado. 


        Sob esse enfoque, saber armar uma conta sem entender o porquê da escolha da operação não faz sentido. Um termômetro disso é a necessidade de a criança perguntar qual operação deve ser utilizada em cada problema. "Pode-se estabelecer uma analogia com a informática", diz Jorge Falcão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). "Qualquer programador faz o computador calcular. O desafio é conseguir que a máquina interprete o problema e decida qual operação realizar." 



        De todo modo, o algoritmo não deve ser desprezado, mas é crucial que a criança compreenda o que é o resto, por exemplo, sem pensar que seja simplesmente um dos elementos dos quais tem de dar conta para executar o algoritmo da divisão. Aquela que enxergar além disso nas séries iniciais sairá em vantagem no percurso de compreensão da Matemática"


REFERÊNCIAS



Acesso:http://acervo.novaescola.org.br/matematica/fundamentos/multiplicacao-divisao-ja-series-iniciais-500495.shtml , nova escola em 23 de setembro de 2016.

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